3 de mar. de 2013

O Raio

Raio (meteorologia)

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Raios em Toronto, Canadá.
Um raio é uma descarga elétrica de grande intensidade que ocorre quando a rigidez dielétrica do ar é quebrada e cargas elétricas fluem diretamente da nuvem para o solo, ou vice-versa, produzindo diversos tipos de radiação eletromagnética, além de ondas sonoras, que são conhecidas como trovões. A principal diferença entre relâmpagos e raios consiste no fato de que o termo relâmpago refere-se a qualquer descarga elétrica atmosférica, enquanto um raio é uma descarga que ocorre entre a nuvem e o solo. Por isso, pode-se dizer que todo o raio é um relâmpago, mas nem todo o relâmpago é um raio.[1]
Os raios sempre foram motivo de fascínio, tanto que mitos e superstições relacionados com descargas elétricas estiveram presentes no surgimento das primeiras religiões. Diversas explicações mitológicas foram propostas ao longo da história, até que, no século XVIII, o cientista norte-americano Benjamin Franklin descobriu a natureza elétrica do fenômeno. Atualmente, os mais variados instrumentos, como câmeras digitais de alta velocidade, detectores de radiação eletromagnética e osciloscópios, são utilizados para estudo deste fenômeno atmosférico.
Com tais pesquisas descobriu-se que existem raios negativos, no qual as cargas negativas vão da nuvem ao solo, e raios positivos, que são muito mais perigosos e mais raros do que as descargas negativas. Além do trovão, os raios produzem diversos tipos de radiação eletromagnética, algumas delas de alta energia, como raios X e raios gama. Dependendo da frequência, essas ondas podem ficar presas na ionosfera da Terra, e assim ficar circulando o planeta, criando a ressonância Schumann. A imensa carga dos raios produz, ainda, eventos luminosos na alta atmosfera. que acontecem muito acima das nuvens e não são visíveis da superfície da terra, mas já foram fotografados por aviões e satélites.
Por meio de satélites também é possível contabilizar a quantidade de raios que acontecem no mundo em tempo real. Em média, de cinquenta a cem descargas acontecem a cada segundo em todo o mundo, a maioria delas nas regiões tropicais, sendo que o país em que ocorre a maior quantidade de raios é o Brasil. Os raios são responsáveis por diversas mortes por todo o planeta, mas a maioria delas poderia ter sido evitada se medidas simples de proteção fossem tomadas. Sondas espaciais já detectaram raios em Júpiter, Saturno e Vênus e existem provas da ocorrência de descargas elétricas também em Marte.

Histórico

É provável que os raios estavam presentes na Terra bem antes do surgimento dos primeiros seres vivos, há mais de três bilhões de anos.[nota 1] Além disso, os raios provavelmente foram fundamentais para a formação das primeiras moléculas orgânicas para formação das primeiras formas de vida.[2] Desde o início da história escrita, os raios foram motivo de fascinação para o ser humano. O fogo que produziam quando atingiam a terra era utilizado para se aquecer durante a noite, além de manter os animais selvagens afastados. Por isso, o homem primitivo procurava respostas para explicar esse incrível fenômeno, criando superstições e mitos que passaram a fazer parte das primeiras religiões que surgiram.[3]

Visões mitológicas

Estátua de Zeus segurando raios.
Os povos antigos criaram diversas lendas para explicar o surgimento dos raios. No Antigo Egito, acreditava-se que o deus Tifão arremessava os raios sobre a terra. Um documento da Mesopotâmia datado de 2200 a.C. mostra uma deusa no obro de uma criatura alada e segurando um punhado de raios em cada mão. Atrás dela se encontra o deus que controla o tempo meteorológico criando os trovões com um chicote. Os raios também são a marca da deusa da mitologia chinesa Tien Mu, que é uma das cinco dignitárias do "Ministério das tempestades", que é comandado por Lei Tsu, o deus do trovão. Na Índia, os textos Vedas descrevem como Indra, o filho do Paraíso e da Terra, carregava trovões em sua biga.[2]
Por volta do ano de 700 a.C. os gregos começaram a utilizar os símbolos dos raios trazidos do Oriente Médio na sua arte, atribuindo-os sobretudo a Zeus, o deus supremo da sua mitologia. Na Grécia Antiga os raios, quando apareciam no céu, eram vistos como sinal de desaprovação de Zeus. O mesmo sucederia na Roma Antiga em relação a Júpiter. Em Roma acreditava-se que os ramos de louro eram "imunes" à ação de raios, e por isso o imperador Tibério utilizava tais ramos para se proteger durante as tempestades. Já na antiga Escandinávia acreditava-se que os raios eram produzidos pelo martelo mágico Mjölnir, que pertencia ao deus Thor. Os Buriates, povo que vivia próximo ao lago Baikal, no sul da Sibéria, acreditavam que o seu deus produzia os raios jogando pedras do céu. Algumas tribos indígenas da América do Norte e da África mantêm a crença de que os raios são produzidos por um mágico "pássaro trovão", que mergulha das nuvens para a terra.[2]

Primeiras explicações científicas

Experiência de Benjamin Franklin no século XVIII, onde faíscas saem do fio condutor para seu dedo.
Nas culturas de matriz europeia, a primeira explicação de cunho científico que se conhece foi escrita pelo filósofo grego Aristóteles, no século III a.C., atribuindo a trovoada à colisão entre nuvens e o raio ao incêndio de uma exalação ejetada pelas nuvens.[4] Entretanto, os primeiros estudos sistemáticos dos raios foram feitos somente em 1752, numa pequena vila próximo à Paris, quando Thomas-François Dalibard atraiu faíscas por meio de uma alta haste de ferro que estava isolada do solo por garrafas de vinho. Esse experimento comprovou que os raios são de origem elétrica. Posteriormente foram feitos diversos experimentos, inclusive por Benjamin Franklin, que utilizavam pipas e balões para erguer fios condutores até próximo das nuvens para produzir faíscas, que surgiam graças ao campo elétrico existente. Esses experimentos eram bastante arriscados, pois se uma descarga elétrica atingisse o fio condutor, a pessoa que o estivesse segurando certamente morreria. Entretanto, isso aconteceu somente uma vez em 1753, na Rússia, mesmo sem a pessoa estar em contato direto com o fio condutor.[2]
Franklin também mostrou que os raios se manifestam "mais comumente sob a forma negativa de eletricidade, mas às vezes aparecem na forma positiva". Além disso, o cientista propôs o uso de grandes hastes de metal para proteção dos raios, que, segundo ele, fariam a eletricidade fluir silenciosamente da nuvem para o solo. Posteriormente, percebeu que essas hastes praticamente não influenciavam as cargas elétricas presentes nas nuvens, mas que, na verdade, atraíam os raios. Então ele percebeu que se não dá para evitar as descargas elétricas, daria pelo menos para atraí-las para um ponto que não oferecesse perigo utilizando uma haste metálica, que ficou conhecida como para-raios. Para comprovar a efetividade de suas ideias, Franklin reuniu centenas de pessoas próximo à prefeitura de Siena, na Itália em 1777, local que era frequentemente atingido por raios. Após a instalação do para-raios, a multidão assistia durante uma tempestade os raios atingindo a haste metálica, mas sem danificá-la.[2]
Em 1876, James Clerk Maxwell propôs a criação de depósitos para pólvora totalmente envolvidos com uma camada de metal, para evitar que os raios causassem a explosão do composto. Se um raio atingisse esse depósito, a corrente elétrica ficaria nessa camada exterior e não atingiria a parte interna. Esse sistema ficou conhecido como gaiola de Faraday. Também poderia ser utilizado um sistema de grades, mas quanto maior for a distância entre os condutores, menor será a eficiência da proteção. Combinações entre o para-raios de Franklin e da gaiola de Faraday são utilizados até hoje na proteção de estruturas, sobretudo onde se encontram aparelhos eletrônicos sensíveis.[2]
O surgimento da fotografia e da espectroscopia no final do século XIX tiveram grande importância no estudo dos raios. Vários cientistas utilizaram o espectro gerado a partir da luz do relâmpago para estimar a quantidade de energia envolvida no processo físico que acontece durante um curtíssimo intervalo de tempo. A utilização da câmera permitiu descobrir que os raios possuem dois ou mais fluxos de cargas elétricas (como se fossem dois ou mais raios consecutivos que acontecem no mesmo lugar muito rapidamente). O desenvolvimento de novos aparelhos como osciloscópios e medidores de campo eletromagnético durante o século XX permitiu um entendimento mais completo de como os raios acontecem.[2]

Características físicas do raio


Panorama de uma tempestade na Romênia.
Os raios, que na maioria das vezes estão associados a tempestades, consiste basicamente em uma gigantesca faísca de eletricidade estática. Em qualquer momento, existem em média duas mil tempestades ocorrendo em todo o mundo, e elas produzem quarenta raios por segundo, de acordo com a NASA. Mesmo assim, a origem das cargas elétricas ainda não é totalmente entendida, embora existam teorias mais aceitas para formação dos raios.[5]

Eletrização da nuvem

Esquema da distribuição das cargas em uma nuvem. Note a pequena quantidade de cargas positivas que se acumula na base.
Apesar de alguns conceitos sobre o que provoca o surgimento de cargas elétricas na nuvem ainda não estarem totalmente entendidos, os cientistas concordam em alguns prováveis fatos que provocam a eletrização das nuvens. A principal área de surgimento das cargas é o centro da nuvem de tempestade, onde os ventos ascendentes se movem rapidamente a uma temperatura entre -15°C e -25°C. Nesse local, a combinação da temperatura e dos ventos cria uma espécie de mistura de gotículas de água superfrias (mas sem congelar), pequenos cristais de gelo e graupel (uma espécie de granizo leve). Por causa das diferenças de tamanho e densidade, os graupel que são mais pesados tendem a se mover mais vagarosamente, e isso gera colisões com os pequenos cristais de gelo que estão subindo. Com isso, eles ficam carregados positivamente enquanto os graupel ficam carregados negativamente.[6]
Os ventos carregam os pequenos cristais de gelo, agora carregados positivamente, para cima, enquanto o graupel, mais pesado, tende a ficar no meio e na parte mais baixa da nuvem. Também nessa região aparecem outras cargas positivas por causa da precipitação e das temperaturas mais elevadas, mas em quantidade bem menor em relação às cargas negativas ali presentes. As cargas presentes na nuvem influenciam as cargas do solo. Como a parte mais baixa é majoritariamente negativa, elas tendem a repelir as cargas de mesmo sinal do solo, fazendo com que as cargas positivas predominem. Por isso, abaixo de uma nuvem de tempestade, todos os objetos condutores (inclusive as pessoas) ficam carregados positivamente.[6]

O raio

O ar é geralmente um condutor ruim de cargas elétricas, o que faz dele um bom isolante elétrico. Entretanto, se a diferença de potencial entre as regiões de cargas opostas na nuvem ou entre a nuvem e a terra for muito grande, o ar perde sua capacidade isolante e começa a ionizar-se, permitindo que as cargas elétricas agora fluam livremente. As cargas elétricas precursoras do raio começam a se mover mais comumente da nuvem para o solo, embora o inverso possa acontecer.[6]

Raios negativos


Detalhe das cargas descendo em etapas.

Cargas se movendo antes do raio atingir o solo.
A maior parte dos raios resultam da movimentação inicial das cargas negativas presentes nas nuvens. Quando o ar não mais consegue isolá-las, elas tendem a ir em direção ao solo, atraídas pelas cargas positivas. Geralmente a carga positiva existente na base da nuvem não é suficiente para neutralizar toda a carga negativa, que vai se acumulando e formando uma espécie de canal de ar ionizado. Então, esse canal sai da nuvem e começa a se dirigir ao solo, descendo por meio de etapas, que geralmente são segmentos de cerca de cinquenta metros, sendo que cada uma dessas etapas produz uma pequena quantidade de luz. Desses segmentos podem surgir ramificações que também vão "procurando" uma conexão com a terra. Esses segmentos que vão surgindo podem ser detectados somente por câmeras de alta velocidade. Cada segmento quando vai em direção ao solo possui uma velocidade de mais de 120 000 km/h. Todo esse processo leva em média 50 milissegundos.[6][7]
Raio gravado durante um período de 1/50 s (note que quando o contato é feito, a luminosidade surge de baixo para cima.).
Ao mesmo tempo que as cargas negativas estão descendo, as cargas positivas vão se acumulando sob essa mesma área. Por causa do poder das pontas e da atração exercida pelas cargas negativas que estão chegando, as cargas positivas tendem a ir se acumulando nas partes pontiagudas dos objetos condutores do solo, como árvores e casas, e isso faz com que se crie um canal de carga positiva, o que é conhecido como uma corrente vertical. Esse canal se propaga no ar e vai de encontro às cargas negativas que estavam descendo. Quando o contato é feito (geralmente entre 30 e 100 metros de altura em relação ao solo), o canal condutivo está completo e as cargas fluem rapidamente da nuvem para o solo. Todo esse processo dura somente uma fração de segundo.[8] Esse fluxo produz uma grande quantidade de luz que é conhecida também como relâmpago. O brilho intenso do raio se inicia no local onde ocorre o contato e depois se propaga pelo restante do canal ionizado. Esse efeito pode ser comparado ao de carros num congestionamento. Quando os carros forem liberados para seguir em frente, os primeiros começarão a se mover e assim sucessivamente. Da mesma forma, quando as cargas negativas que estão na ponta inferior do canal encontram um caminho livre para o solo, elas são as primeiras a se mover mais rapidamente, daí a luminosidade surge nesse local e depois se propaga à medida que os outros elétrons se movem. A transferência das cargas se dá em um período menor que 100 milissegundos.[7][9]
Objetos como árvores e edifícios, tal como montanhas, são bons alvos para os raios. Isso é porque se encontram mais próximos da base da nuvem, e por isso a distância que o raio tem que percorrer até atingir as cargas positivas é menor. Entretanto, um objeto ser alto não significa que um raio vai atingi-lo. Tudo depende de onde as cargas se acumulam. Dessa forma, um raio pode cair num campo plano mesmo se houverem árvores por perto, por exemplo.[10] Quando o raio atinge o solo ou outro corpo em contato com o solo, como árvores, as cargas se propagam próximo à superfície em vez de seguirem diretamente para as camadas profundas do solo. Essas correntes são as responsáveis por causar a morte de vários animais de uma só vez nas pastagens, pois a corrente que está se propagando na superfície passa por eles, já que estão em contato com o solo.[11]
Depois que as primeiras cargas já foram transferidas, ocorre uma pausa na transferência que dura entre 20 e 50 milissegundos. Se ainda restarem cargas negativas depois que o fluxo inicial se encerra, essa carga adicional vai começar a se mover em direção ao solo seguindo o caminho condutivo de ar ionizado deixado pelo primeiro raio. Como o canal já está formado, as cargas descem muito mais rapidamente que a primeira descarga. Quando essa corrente atingir o solo, o processo se repetirá, durando mais 100 milissegundos. Geralmente, por causa do caminho já estar feito, os raios subsequentes não possuem ramificações. Usualmente, um raio negativo na verdade é composto por um fluxo inicial de elétrons, seguidos por mais dois ou três fluxos subsequentes. Isso cria o efeito do raio parecer que está oscilando, ficando com a luminosidade mais forte e mais fraca. Tudo isso é praticamente invisível ao olho humano por causa do curtíssimo intervalo de tempo e do intenso brilho gerado.[7][12]

Raio positivo.

Raios positivos

Alguns raios se originam da parte superior das nuvens de tempestades, onde se encontram quantidades gigantescas de cargas positivas. Por isso , as cargas que se movem em direção ao solo são positivas enquanto as cargas atraídas na terra são negativas. Esse tipo de raio é conhecido como "positivo" porque ocorre a transferência de cargas positivas do topo da nuvem para o solo.[13]
Apesar da ocorrência ser muito mais rara (menos de 5% de todos os raios da Terra), os raios positivos são muito mais perigosos por diversos motivos. Uma vez que eles se originam nas partes mais altas da nuvem, a barreira de ar que eles têm que atravessar é muito maior e, portanto, sua energia também é muito maior. O campo elétrico de um raio como esse é muito mais forte do que o de um raio negativo. A duração do raio é maior e a quantidade de cargas transferidas é dez vezes maior do que a de um raio negativo, atingindo mais de 300 000 ampères e mais de um bilhão de volts.[nota 2] Esses raios podem acontecer logo abaixo da nuvem da tempestade, mas a maioria cai afastada da tempestade original, chegando a mais de 16 km de distância da nuvem. Além disso, os raios positivos são responsáveis pela maior parte dos danos à rede elétrica e dos incêndios florestais.[13]

Tipos de descargas elétricas


Relâmpago intra-nuvem.
Apesar dos raios e relâmpagos ocorrerem da mesma forma, eles podem ser classificados de acordo com o destino e também com a aparência da descarga elétrica.
O tipo mais comum de descarga elétrica é a descarga intra-nuvem, que consiste na transferência de cargas entre regiões de cargas opostas de uma mesma nuvem. Na maioria das vezes não é possível visualizar o relâmpago propriamente, mas somente a luz que produz dentro da nuvem. Um tipo muito peculiar das descargas intra-nuvem é aquele que se manifesta sob a forma de diversas ramificações horizontais, formando figuras que se assemelham a árvores. Quando esse tipo de relâmpago ocorre, geralmente se espalha por uma vasta região do céu em várias direções. Além disso, a velocidade menor permite que se observe as descargas se propagando, diferente do que acontece com os outros tipos de descargas. Existe ainda o raio entre nuvens, que é um tipo bem raro de descarga onde ocorre o relâmpago entre duas nuvens completamente separadas.Por vezes ocorrem também relâmpagos que vão da nuvem para o ar, quando a descarga se direciona para o céu limpo e termina abruptamente, sem atingir outra nuvem ou o solo.[14][15]
Quando relâmpagos ou raios ocorrem muito distantes, geralmente em tempestades que são vistas próximo ao horizonte, são chamados de relâmpagos de calor. Numa noite limpa, relâmpagos podem ser vistos mesmo a vários quilômetros de distância, principalmente no verão, quando as tempestades localizadas são mais comuns.[14]

Raio em Toronto, Canadá.
O movimento das cargas e seu contato com o solo caracterizam uma descarga nuvem-solo, mais conhecida como raio. O mais frequente é quando ocorre a transferência de cargas negativas para o solo, mas existem também os raios positivos, mais raros e mais perigosos. Raramente ocorrem, ainda, raios do solo para a nuvem, onde as cargas que se acumulam em pontos no alto das torres metálicas e edifícios começam a ionizar o ar e seguem em direção a nuvem até fazer o contato, quando ocorre a transferência de cargas. Também podem acontecer raios onde o céu está limpo, sem nuvens. Esse tipo de raio, geralmente positivo, se origina da parte mais alta de uma nuvem cumulonimbus e viaja horizontalmente por uma boa distância até fazer um movimento na direção vertical atingindo a terra. A distância percorrida pode ser de até 16 km, onde o céu pode estar sem nuvens.[14]
Existe ainda um tipo muito peculiar de descarga elétrica, o raio globular ou relâmpago globular, que possui geralmente um formato esférico com diâmetro entre vinte e cinquenta centímetros, muito luminosa que dura por vários segundos e está associada a tempestades. Possui movimento aleatório ou pode ficar parada. Há relatos de ocorrência em lugares abertos, dentro de construções e de aeronaves e que desapareciam silenciosamente ou em uma explosão. Até hoje os cientistas ainda não conseguiram explicar como esse fenômeno acontece.[16]

Métodos de pesquisa


Raio artificial.
A técnica mais antiga para se analisar os raios, utilizada desde 1870, é a espectroscopia, que consiste na decomposição da luz em diferentes frequências. Graças a esse método, descobriu-se a temperatura no interior de uma descarga, bem como a densidade de elétrons do canal ionizado.[17] Existem ainda os sistemas de detecção, utilizados desde 1920 e que basicamente são sistemas de análise da radiação eletromagnética emitida pelo relâmpago, que são registradas através de diversos tipos de sensores instalados em locais adequados. Esses sistemas permitem detectar a localização, a intensidade e até mesmo mapear o canal do raio em três dimensões.[18] Outros aparelhos também permitem medir a corrente elétrica que atinge o solo, cujas medidas são baseadas na intensidade do campo magnético gerado pelo movimento das cargas elétricas em pontos de grande ocorrência de raios, como em torres metálicas no alto de montanhas.[19] Outro aparelho essencial para o estudo dessas descargas elétricas são as câmeras de alta velocidade, que permitem a observação de fenômenos que acontecem durante um curtíssimo intervalo de tempo. As observações com esse tipo de câmera começaram na década de 1950 e com o desenvolvimento das câmeras digitais, o uso de fotografias e vídeos permitiu a descoberta de novos aspectos sobre como ocorrem o movimento das cargas elétricas.[20]
É possível obter raios artificiais por meio de pequenos foguetes carregando fios ligados à terra. Durante a formação de uma tempestade, lança-se um foguete que tem um fio de cobre ou aço conectado a ele. À medida que o foguete sobe, esse fio vai se desenrolando, até que acontece uma descarga elétrica que passa pelo fio e atinge o solo. O fio é vaporizado instantaneamente, mas o caminho percorrido pela corrente elétrica geralmente é retilínio graças ao caminho de átomos ionizados deixado pelo fio.[21] Cientistas também já conseguiram criar relâmpagos iniciados por meio de raios laser, que criam filamentos de plasma por curtos instantes, que permitem que as cargas elétricas fluam, dando origem a uma descarga elétrica.[22]

Outras origens


Raios durante a erupção do vulcão Galunggung, na Indonésia.
Além das tempestades, as erupções vulcânicas podem dar origem a raios e relâmpagos. Durante a liberação das cinzas vulcânicas, as partículas entram em atrito, o que induz o aparecimento de cargas elétricas que produzem a descarga. Por isso, as maiores quantidades de raios estão associadas ao maior tamanho da nuvem de cinzas. Os tipos de relâmpagos que acontecem nessas nuvens são diversos, variando desde simples descargas que podem seguir nas mais diversas direções até os relâmpagos globulares, sendo que todos eles ficando confinados somente na região da nuvem, por isso não representam um perigo para pessoas e animais. Essas descargas elétricas, entretanto, são perigosas para aviões e transmissores de rádio, e são responsáveis por incêndios florestais próximo à área da erupção.[23]
As tempestades de areia também podem produzir relâmpagos. Nesse caso, uma das teorias para explicar a formação de cargas elétricas é que, devido à colisão das partículas de poeira, acontece o acúmulo de grandes cargas que produzem uma descarga.[24] A explosão de uma bomba termonuclear também pode dar origem a raios quando detonadas em solo. Um exemplo foi o que aconteceu num teste em 1952 no atol de Enewetak, no Oceano Pacífico, quando a detonação fez com que as cargas negativas se dirigissem do solo para a atmosfera, formando longas descargas solo-nuvem.[25]

Fenômenos relacionados

Trovão

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Som de um trovão.
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Outro trovão.
O trovão é o som causado por uma descarga elétrica próxima e pode ser ouvido até uma distância de quinze quilômetros de onde o raio aconteceu. Esse fenômeno é criado quando as cargas elétricas passam através do ar, o que faz com que este se aqueça e se expanda. A temperatura no interior desse canal pode chegar a vinte e sete mil graus Celsius (cerca de cinco vezes mais quente que a superfície do Sol). Quando o fluxo de cargas termina, o ar esfria e se contrai rapidamente. Essa expansão e contração rápidas criam uma onda sonora que ouvimos, o trovão. A uma distância de algumas centenas de metros, essa rápida expansão e contração criam uma onda de choque supersônica que se transforma em uma onda sonora intensa à medida que se afasta do local.[26][27]
Apesar de a descarga de um raio acontecer somente num ponto no solo, o som viaja muitos quilômetros através do ar, por isso, o primeiro som que chega a um ouvinte é aquele que foi criado pela porção do raio que está mais próxima dele. Quando um raio cai perto, ouve-se um intenso estalo que pode, inclusive, causar danos ao ouvido humano. Quando o fenômeno acontece mais longe, ouve-se um estrondo grave e bem mais fraco. A duração do som, que geralmente é entre 5 e 20 segundos, é devido à diferença entre o ponto mais próximo e o ponto mais distante do raio. Além disso, os trovões se mostram com vários estrondos porque o formato da descarga elétrica é irregular.[26][27]

Concepção artística de uma emissão de raios gama.

Radiação de alta energia

Sabe-se que os raios produzem raios-X, que são elétrons de alta energia, que geralmente são observáveis somente próximo de onde ocorre o fluxo de elétrons. Mas a partir da década de 1990 cientistas descobriram que certos tipos de raios poderiam gerar grandes quantidades de raios gama, conhecidos como flash de raios gama terrestre que, diferente dos raios X, podem percorrer longas distâncias. Entretanto, até hoje sabe-se muito pouco sobre como essa liberação de radiação ocorre. Para observação de tais fenômenos já foram lançados satélites artificiais, como o GLAST, que detectam raios gama de origem terrestre e também de origem cósmica.[28][29] De acordo com essas pesquisas, estima-se que os passageiros de um avião que estivessem próximo da origem de um raio poderiam estar expostos a uma dose de radiação que equivale à de quatrocentas radiografias do tórax. Segundo os cientistas, ainda se conhece muito pouco sobre esses fenômenos e muito menos a frequência com que acontecem próximos a linhas comerciais de aviação, por isso muitas pesquisas ainda serão feitas para que se tenha certeza da garantia de segurança dos passageiros.[30]

A ressonância de Schumann

Animação da ressonância de Schumann.
A ressonância de Schumann consiste em uma radiação eletromagnética com frequência de poucos hertz, que se propaga no espaço entre a superfície da Terra e a base da ionosfera, a cerca de 100 km de altitude. Quando acontece um raio, ondas eletromagnéticas são produzidas e ficam "presas" na atmosfera, circulando o planeta. Algumas dessas ondas, se tiverem o comprimento de onda certo, se combinam criando ondas mais intensas, conhecidas como ressonâncias de Schumann. Sendo os relâmpagos a principal fonte de radiação que produz essas ressonâncias, é possível medir a intensidade das ondas eletromagnéticas para analisar a atividade elétrica de todo o planeta.[31][32]

Eventos luminosos transientes


Descrição dos eventos luminosos transientes.
Os eventos luminosos transientes são várias emissões luminosas que acontecem entre o topo de nuvens de tempestades e a camada inferior da ionosfera. Essas emissões são consequência do fluxo eletromagnético ocasional e intenso na alta atmosfera, a até cem quilômetros de altitude. Esses fenômenos são praticamente invisíveis ao olho humano, por causa da baixa luminosidade e estão associados aos relâmpagos nuvem-solo. Ainda se conhece muito pouco sobre tais eventos e sua interação com outros fenômenos, mas pesquisas indicam que são causados a partir da excitação das moléculas do ar por elétrons acelerados pelos campos elétricos gerados pelos raios, principalmente os positivos. As poucas imagens existentes desses fenômenos são obtidas com câmeras no alto de montanhas, aviões e satélites.[33][34]
Existem basicamente três fenômenos transientes. O primeiro são os sprites (que significa duendes), que são os mais comuns e acontecem em torno de setenta quilômetros de altitude. Duram menos que cem microssegundos e possuem largura entre cinco e trinta quilômetros. Em geral apresentam cor vermelha e formas diferentes, como de tentáculos ou cilindros, por exemplo, e na maioria das vezes estão associados a raios positivos. O segundo fenômeno são os blue jets (jatos azuis), que se apresentam em forma de cone que aparecem sobre o topo das nuvens e se direcionam para cima até uma altitude de cerca de 40 km e velocidade de 250 000 km/h e duram até 300 microssegundos. E por fim, o terceiro fenômeno são os elves (acrônimo inglês que significa emissão de luz e radiação eletromagnética de baixa frequência devido a fontes de pulsos eletromagnéticos[35]), que são discos de cor alaranjada, invisíveis a olho nu, que duram menos que um milissegundo e se estendem por mais de trezentos quilômetros a cem quilômetros de altitude. A maioria dos elves estão associadas a raios positivos, embora também aconteçam associados a raios negativos.[34]

Distribuição geográfica


Ocorrência de raios no mundo.
Por meio de observações de satélite é possível contabilizar a quantidade de raios que ocorrem em todo o mundo. Em média, entre 50 e 100 raios acontecem a cada segundo por todo o planeta, o que resulta entre um e três bilhões de raios por ano[nota 3], sendo que mais de noventa por cento deles se sucedem sobre terras emersas. Os dados obtidos por meio de instrumentos comprovam que a maior parte dos raios acontece em regiões tropicais, principalmente na África Central, no sul e sudeste da Ásia, no centro da América do Sul e no sul dos Estados Unidos.[36] O lugar da Terra onde a ocorrência de raios é mais concentrada localiza-se na República Democrática do Congo, nas montanhas a leste do país, próximo à pequena vila de Kifufa, onde acontecem anualmente cerca de 158 raios por quilômetro quadrado (um tamanho médio de 10 quarteirões).[37]
O Brasil é o país onde ocorre a maior quantidade de raios em todo o mundo, devido à sua grande extensão territorial e ao fato de que a maior parte de seu território está na zona tropical, o que significa mais tempestades e, portanto, mais raios. A região amazônica é a área onde as descargas elétricas ocorrem com mais frequência. Dos 50 milhões de raios que caem em média no país, 11 milhões acontecem só no estado do Amazonas. Na região sudeste, a tendência é que a quantidade de raios aumente cada vez mais, segundo pesquisadores do INPE. Os dois principais fatores para esse aumento são o crescimento das cidades, que favorecem o surgimento de tempestades, e o aumento da temperatura causado pelo aquecimento global.[38]

Segurança


Árvore atingida por raio.
Para se evitar acidentes envolvendo raios, a melhor opção é procurar um abrigo que, de preferência, tenha proteção contra raios. As melhores opções são construções e veículos seguros. Uma construção segura é aquela que é completamente fechada com telhados e parede, tal como casas e escolas, mas, uma vez dentro das construções, é necessário evitar contato com chuveiros, banheiras e equipamentos eletrônicos ligados à rede elétrica, por causa do risco de um raio atingir a rede de transmissão. Já um veículo seguro é aquele completamente fechado com teto metálico, como os carros comuns e ônibus que, no caso da queda de um raio, funcionam como uma gaiola de Faraday. Entretanto, se não houver um abrigo por perto, é necessário procurar um local baixo para abrigo, evitando ficar no alto de colinas e em campos abertos. Também é preciso ficar longe de árvores ou qualquer outra estrutura alta (principalmente se esta estiver isolada) de corpos de água e de objetos metálicos como cercas e fios de energia.[39]
As edificações são protegidas contra os relâmpagos com sistemas que visam blindar uma estrutura contra os efeitos térmicos, mecânicos e elétricos associados às descargas elétricas. O sistema mais utilizado permite a condução das cargas elétricas sem danificar a estrutura e os equipamentos elétricos em seu interior. Geralmente, possuem no mínimo três partes. A primeira são os terminais aéreos (os para-raios), que são hastes metálicas no alto da estrutura para capturar o relâmpago que, então é conduzido pela segunda parte, os condutores de descida, até os terminais de aterramento, onde as cargas elétricas são, por fim, conduzidas para a terra sem causar danos à construção. Existem, ainda, meios para fazer a proteção de equipamentos elétricos dos chamados surtos de tensão ou transientes, que são aumentos súbitos da tensão elétrica causada pela atividade dos relâmpagos e que podem danificar os equipamentos eletroeletrônicos, principalmente os mais sensíveis. Esses equipamentos, chamados de supressores de surtos, geralmente são instalados de forma combinada para oferecer uma proteção completa de todo o circuito.[40]
Em eventos que acontecem em áreas abertas, é cada vez maior a preocupação com a segurança das pessoas. Treinadores e responsáveis por times e grupos que fazem atividades ao ar livre devem ficar atentos quanto à ocorrência de raios e dos perigos que eles representam para as pessoas. Recomenda-se que se procure abrigo logo que se começa a ouvir os primeiros trovões, mesmo que pareçam distantes.[41] Nas regras do golfe, por exemplo, o jogo deve ser suspenso imediatamente perante os primeiros sinais de relâmpagos, visto a situação vulnerável dos jogadores, que estão num campo aberto, os tacos de golf com hastes de metal (apesar de os mais recentes já não serem em metal), os pregos dos sapatos, o trolley que transporta o saco e partes metálicas que este contém, como fivelas e argolas.[42]

Fatalidades

As mortes por raios ainda são uma realidade um pouco por todo o mundo, apesar da maioria poder ser evitada. No Brasil, país onde ocorrem mais raios, morreram 81 pessoas atingidas por descargas elétricas em 2011, sendo que um quarto delas estavam na região Norte. Segundo os pesquisadores do INPE, o número de mortes está diretamente relacionado com falta de informação. Na região Sudeste, por exemplo, o número de mortes tem diminuído, mesmo com o aumento da incidência de raios na região. No país, a maioria das pessoas atingidas estavam no campo realizando atividades agropecuárias e utilizando objetos metálicos, como enxadas e facões. A segunda causa que mais provocou mortes no país foi a permanência próximo de veículos e a utilização de moto ou bicicleta durante uma tempestade.[43]
Cerca de oitenta por cento dos atingidos por raios são do sexo masculino. Em média, somente vinte por cento dos atingidos por um raio morrem imediatamente por causa de paradas cardíacas e cardiorrespiratória. Dos que sobrevivem, setenta por cento ficam com sequelas, que podem se desenvolver vagarosamente, ficando evidentes somente algum tempo depois do acidente. As principais consequências enfrentadas pelos sobreviventes são arritmia e disfunção cardíaca, perda de consciência, amnésia, ansiedade, confusão mental, paralisia temporária, danos na medula espinhal, queimaduras profundas nos pontos de entrada e saída das cargas elétricas, rompimento dos tímpanos, anormalidades na retina e na córnea, entre muitas outras.[44]

Queraunofobia

Designa-se queraunofobia o medo de trovões e raios. Como qualquer fobia, é um medo extremo e irracional, sem razão lógica e sem controle. Os sintomas da queraunofobia aparecem quando surgem os primeiros raios e trovões. As reações podem ser as mais diversas, incluindo ataques de ansiedade. Alguns sintomas mais comuns são palpitação, suor excessivo, tremores, boca seca, náusea, falta de concentração, medo de morrer e um sentimento de estar fora do mundo real. Existem muitas opções de terapia para lidar com esse medo extremo de tempestades. Quando estratégias simples como aprender mais sobre os fenômenos atmosféricos não funcionam, é necessária a intervenção de um profissional qualificado, como um terapeuta. Nesse caso, o meio mais usado para combater a fobia é expor o paciente de uma forma controlada aos sons e sensações de uma tempestade. A hipnoterapia também é um método bastante utilizado, por ser menos invasivo. Em casos extremos, são utilizados remédios para combater a ansiedade, mas sempre associados a uma terapia.[45]

Em outros planetas

Raios acontecendo em Saturno.
Os raios não são característica exclusiva do nosso planeta. Pesquisas com sondas espaciais indicam que descargas elétricas podem ser relativamente comuns em nosso sistema solar.[46] Em Júpiter, diversas missões observaram a ocorrência de descargas elétricas, tanto na região equatorial quanto na região polar. As tempestades no planeta são causadas por convecção, semelhantes às da Terra. Os gases, incluindo vapor de água, sobem das profundezas do planeta e as pequenas partículas, quando congelam, entram em atrito umas com as outras, gerando assim uma carga eletrostática que é descarregada sob a forma de raios. Como as tempestades de Júpiter são muito maiores e mais intensas que a da Terra, os raios são muito mais poderosos, e alguns têm a intensidade dez vezes maior do que qualquer raio já registrado no nosso planeta.[47] Em Saturno também ocorrem descargas elétricas comparáveis às mais fortes que ocorrem na Terra. Quando acontecem no topo das nuvens do planeta, o círculo de luminosidade criado tem cerca de duzentos quilômetros de diâmetro.[48]
Em Marte, já foram detectados sinais diretos da ocorrência de descargas elétricas, que são causadas pelas grandes tempestades de areia que acontecem no planeta. De acordo com pesquisadores, a atividade elétrica no planeta tem implicações importantes, pois isso altera a composição da atmosfera, habitabilidade e as preparações para a exploração humana.[49] Em Vênus, também existe a ocorrência de raios. De acordo com observações feitas pela sonda Venus Express, as pequenas gotículas de ácido sulfúrico que existem na atmosfera do planeta podem ficar eletricamente carregadas e essa seria a principal causa da origem das descargas elétricas no planeta.[50]

Fonte: Wikipédia

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